sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz Por Nada e Por Um Presente

Eu roubei um presente de aniversário.
Podem ficar tranquilos porque não interrompi a felicidade de nenhuma criança indefesa.
Na verdade nem roubo foi uma vez que quem comprou o presente fui eu.
Mas eu preciso compartilhar isso com o blog e, sinceramente, acredito que isso já tenha acontecido com muita gente por ai.
Quem nunca comprou um presente pensando que a pessoa ia adorá-lo porém ao ver melhor o que foi comprado se da conta de que você mesmo é a pessoa certa para tê-lo.
Pode parecer mais uma tentativa de me justificar mas eu acho o meu caso fácil de acontecer. Comprei em uma livraria no centro da cidade, no intervalo da minha faculdade, uma coletânea de crônicas de uma autora com a qual me identifico muito.
Obviamente não resisti a curiosidade de ler pelo menos uma das crônicas do livro.
Eu deveria ter aceitado quando o vendedor ofereceu embrulhar a compra para presente.
Foi paixão à primeira palavra.
Na verdade ao primeiro título, afinal, dentro de um abraço é o melhor lugar do mundo.
Mas ai a merda estava feita.
Como presentear alguém com algo que eu estava tão ansioso para ler!?
Decidi ser egoísta mesmo e estou me divertindo com o livro aqui do lado.
Todos deveriam ler uma crônica ou ao acordar ou antes de dormir.
É revigorante.
Mas quanto ao presente, tive uma ideia melhor ainda e acho que acertei em duas medidas.
Ao invés de comprar outro, montei eu o presente de uma forma singularmente especial.
Tanto para quem recebeu quanto para mim.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Rubem Braga e Adriana Calcanhotto

Rubem Braga - Meu ideal seria escrever...

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.
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Minha Música - Adriana Calcanhotto

Minha música não quer
Ser útil
Não quer ser moda
Não quer estar certa...

Minha música não quer
Ser bela
Não quer ser má
Minha música não quer
Nascer pronta...

Minha música não quer
Redimir mágoas
Nem dividir águas
Não quer traduzir
Não quer protestar...

Minha música não quer
Me pertencer

Não quer ser sucesso
Não quer ser reflexo
Não quer revelar nada...

Minha música não quer
Ser sujeito

Não quer ser história
Não quer ser resposta
Não quer perguntar...

Minha música quer estar
Além do gosto

Não quer ter rosto
Não quer ser cultura...

Minha música quer ser
De categoria nenhuma

Minha música quer
Só ser música

Minha música
Não quer pouco...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Dentro de um abraço.

Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?

Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.

Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.

E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?

Meu palpite: dentro de um abraço.

Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incer-ta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.

O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.

Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beiramar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?

Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.


Martha Medeiros - 3 de setembro de 2008